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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

DENÚNCIA ESPONTÂNEA EM COMPENSAÇÃO FISCAL

A denúncia espontânea, nos termos do artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN), assegura ao contribuinte que confessar uma infração ao dever de pagar determinado tributo a exclusão da multa que seria devida como penalidade por ter deixado de cumprir a obrigação tributária. Tal norma decorre do princípio da boa­-fé que deve nortear as relações obrigacionais entre Fisco e contribuinte e, por conta disso, somente se aplica no caso de o Fisco não ter detectado a infração em abertura de procedimento específico de fiscalização antes do contribuinte revelar tal fato à autoridade fiscal. A forma clássica de extinção do crédito tributário (aqui entendido como obrigação tributária), é o pagamento, como aliás diz expressamente o artigo 156, I, do CTN. 

Contudo, o próprio artigo 156, em seu inciso II, elege a compensação também como forma de extinção do tributo. Não poderia ser diferente, pois a compensação nada mais é do que um encontro de contas entre devedor e credor, em que ambos possuem um débito e um crédito respectivo que se compensam, não havendo necessidade de que cada um pague sua dívida para com o outro. 

''A denúncia espontânea deve prestigiar o contribuinte de boa­fé e assegurar a exclusão da penalidade''. 

A compensação é aplicada plenamente no direito privado e foi também prevista no direito tributário. A peculiaridade é que no caso dos tributos somente a lei de cada ente tributante pode definir as hipóteses de compensação e as regras a ela aplicáveis. No caso de tributos federais, apesar de o CTN ser de 1966, a compensação somente veio a ser inicialmente prevista pela Lei nº 8.383, de 1991. Atualmente a Lei nº 9.430, de 1996, com diversas alterações, é quem disciplina no âmbito federal a compensação de tributos, sendo que há normas da Receita Federal que regulamentam o instituto. 

O artigo 74 da Lei 9.430 é expresso em dizer que a compensação extingue o crédito tributário sob condição resolutória de sua posterior homologação ­ essa última expressão apenas significa que a compensação será analisada pelo Fisco no prazo de cinco anos para ser então homologada ou não. Assim, sendo a compensação uma extinção de obrigação tributária legalmente reconhecida, não há dúvidas de que quando o contribuinte usa o encontro de contas para pagar determinado tributo, e desde que possa se aplicar a regra do art. 138 do CTN (especialmente que o tributo não tenha sido objeto prévio de fiscalização pela Receita Federal), a multa não poderá incidir nessa hipótese. 

Ocorre que a Receita Federal (conforme Nota Técnica Cosit nº 19/2012 e Solução de Consulta da Cosit nº 384/2014) tem manifestado ultimamente o entendimento no sentido de que a compensação não teria sido expressamente contemplada pelo artigo 138 do CTN que somente se referiria ao "pagamento" como hipótese que permite a denúncia espontânea. Ora, essa interpretação do Fisco, além de ser totalmente literal, o que já é um absurdo em si mesmo, contraria a interpretação sistemática que deve ser feita dessa norma com as demais regras do próprio CTN e da Lei 9.430.

Se o CTN e a Lei 9.430 expressamente outorgam à compensação o poder de extinguir o crédito tributário, dando à compensação o mesmo efeito jurídico que o pagamento, e levando em conta ainda a própria natureza do encontro de contas como meio adequado à extinção de uma obrigação, não se pode permitir que o Fisco se apoie em interpretação literal e nitidamente arrecadatória. Ademais, o intuito do legislador do CTN ao criar o instituto da denúncia espontânea foi o de prestigiar o contribuinte de boa-­fé que se antecipa ao Fisco e declara ter cometido uma infração ao dever de pagar tributos e com isso tem assegurada a exclusão da penalidade.

O uso da compensação como forma de pagamento não pode menosprezar o direito à espontaneidade previsto na norma tributária que, por óbvio, deve prevalecer contra a interpretação totalmente literal promovida pelo Fisco Federal. O fato de a compensação depender de uma homologação do Fisco nada altera a situação, até porque o pagamento também está sujeito à homologação no prazo de cinco anos tratando­se de tributo sujeito ao auto lançamento. 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de sua 1ª Turma, já teve oportunidade de analisar essa questão no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1136372/RS, relator o ministro Hamilton Carvalhido (decisão publicada no Diário da Justiça em 18.05.2010), em que afirmou que fica caracterizada a denúncia espontânea tanto no pagamento clássico via guia de pagamento quanto na compensação, sendo que o único requisito para validar a denúncia espontânea é justamente o fato de o Fisco não ter tido prévio conhecimento da infração antes dessa informação ser revelada pelo contribuinte. 

Acreditamos que esse entendimento deverá prevalecer perante o Poder Judiciário e possivelmente no próprio âmbito administrativo e caberá aos contribuintes que tiverem multas cobradas pelo Fisco em razão de compensação no âmbito da denúncia espontânea ingressarem com ações judiciais ou defesas administrativas visando afastar tal exigência manifestamente ilegal. 
Marcelo Annunziata é sócio do Demarest Advogados Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. 
Fonte: Valor Econômico 

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