Poucos são aqueles projetos que trazem conceitos novos para as empresas. Por mais que haja, e quase sempre há, muitas novidades em sistemas, rotinas e processos a serem aprimorados, os profissionais que lidam no dia-a-dia já tem seus conceitos bastante sólidos. Por exemplo, caso uma empresa execute um projeto de implantação de um novo sistema de manufatura todos sabemos os requisitos básicos que o sistema deverá atender ao negócio. Se for no âmbito do varejo também. Implantar um sistema de frente de caixa, por mais sofisticado que seja, já sabemos qual será a rotina operacional a ser atendida. Normalmente estes sistemas especialistas se distinguem na forma de gestão, em tecnologias empregadas, etc.
No caso do eSocial em teoria também sabemos o que deverá ser atendido: os requisitos legais das relações de trabalho e serviços. Isso por si já bastaria. Ocorre que as rotinas de gestão de pessoal e contratos de serviços foram de tal forma se moldando às exigências e definições das empresas ao longo do tempo que estão significativamente distante daquelas estabelecidas nos atos legais. Não digo isso por ser ruim, ao contrário, o mercado mudou e as relações evoluíram. Porém, é notório que fomos para um caminho que agora estamos distantes de onde deveríamos estar (ou não), ao menos para alguns órgãos regulamentadores.
Para algumas organizações as relações se alteraram tanto que fazem parte do meio de sobrevivência. Ou seja, em alguns casos o mercado definiu regras próprias e a flexibilização fez com que a exceção virasse regra. Por exemplo, as empresas de telefonia dependem de serviços terceirizados de call center. É discutível se esta terceirização é legal. Inclui-se nesta discussão o STJ (Agravo no Recurso Extraordinário 791.932). Eu não conheço, pode haver alguma empresa de TELECOM preste serviços de atendimento telefônico (ou atendimento eletrônico – chat) com equipe própria. De qualquer forma não me parece ser a regra.
Neste cenário estamos em vias de incluir informações sobre todos os contratos de prestadores de serviços no ambiente digital do governo. Informações sobre estagiários e autônomos serão incluído no eSocial. Da compra de produção rural a doações a entidades de futebol, via patrocínio. E muito mais. Ou seja, praticamente não há novos requisitos, apenas o que já deveria estar nos registros das organizações (IN86, MANAD, etc). Os condomínios prediais que possuem contratos de vigilância, portaria, zeladoria, etc tem perfeita noção que trata-se de cessão de mão-de-obra. Que precisam realizar as retenções das contribuições sociais e INSS sobre os pagamentos, etc. Então, onde está o problema?
Exatamente nas relações entre contratantes e contratados ao realizarem serviços não previstos, em condições não previstas, funcionários em desvio de função, etc é onde reside muitas das questões que envolvem o eSocial. Aquilo que ficou no contrato e não é executado ou ganhou nova forma pactuada entre as partes (distante do contrato). Por exemplo, um contrato de construção civil que prevê empreitada total e é executado como se parcial fosse. E tantos outros casos. Colocar todos estes processos no seu devido lugar, sob controles efetivos e que diminuam o risco não é tarefa fácil. Aliás, risco que já existia antes do eSocial. Agora o cenário aponta para o ambiente digital. Assim, alguém menos avisado pode pensar que é apenas a migração de plataforma. Tecnicamente é isso mesmo. Todavia, a digitalização de documentos, registros e demais informações permitirão auditoria eletrônica na velocidade da era digital. Como dizem alguns de meus colegas não é possível comparar a velocidade da era digital com a auditoria em papel. Eu sou experiente, pois no caso de outras obrigações do SPED acompanho desde o início do projeto.
Então, quando tratamos no devido porte o projeto eSocial nas empresas não é exatamente pela sua abrangência – que é enorme – mas, sobretudo porque coloca a visão do Estado sobre muitos processos que foram ao longo do tempo ganhando outros requisitos e adaptações de mercado.
Estamos por ver publicado o Manual de Orientação do Sistema – o governo deverá publicá-lo brevemente, e muitos olharão com uma visão míope e colocarão à sua equipe: a única novidade é que agora é digital. Isso mesmo agora é na velocidade digital. Temos feito inúmeros diagnósticos de eSocial, em empresas de muitos segmentos econômicos, como me envolvo pessoalmente neste projetos, percebo nitidamente a situação indo para um caminho perigoso de acomodação: “como iremos tratar disso ou daquilo no eSocial?”. Ao que eu complemento: com o nível de risco que a organização pretende suportar. Sim porque ao definir desta ou daquela forma será necessário estimar os riscos (voltar ou não a cumprir requisitos “abolidos” no passado).
Por fim, faço o alerta que me parece oportuno: pense no compliance para a companhia. Em segundo plano pense no eSocial. Decida o que é o melhor para a organização e após pense no que é necessário ao eSocial. Tente compatibilizar os dois cenários (isso demandará muito esforço – temos feito isso diuturnamente em nossos diagnósticos de sul a norte do país). Em geral, as decisões são na direção de voltar a fazer o estabelecido legalmente. Isso ajuda muito o projeto. Mas há casos em que a organização prefere manter a forma de administração atual.
Lembre-se que o risco (tributário/trabalhista) calculado é muito mais em conta do que a surpresa de uma notificação. Nunca subestime qualquer um dos dois. Fonte: Mauro Negruni - Baguete
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